Ela estaria completando 100 anos. Irma Maria Frantz nasceu e morreu em sua terra natal ha apenas 17 dias de seu centenario. Sua tao amada Santa Cruz do Sul. Terra que lhe viu nascer ha apenas 62 anos apos a chegada da primeira leva da colonizacao alema. Sua casa materna era situada ao lado da Catedral Sao Joao Batista, antes mesmo, da propria Catedral ser construida.
Ela nao so testemunhou os avancos de dois seculos e as atrocidades de duas Guerras Mundiais. Muito mais que isso, ela foi testemunha da historia de Santa Cruz do Sul. Acompanhou seus avancos e viu com seus proprios olhos as ruas serem moldadas e se encherem de automoveis e luminosos.
Recordo ainda, as tantas historias, que minha tao saudosa avo, me contava, desde que era ainda muito crianca. De como os vitrais da Catedral foram em geral doacoes de familias. De como a igreja era dividida; o lado esquerdo para os homens e o direito para as mulheres. Lugar onde ela conheceu meu avo, o Mario Frantz, irmao do jornalista Francisco Jose Frantz, fundador da Gazeta do Sul e trabalhou sua vida inteira na Prefeitura de Santa Cruz do Sul. Apos sua morte aos 34 anos, minha avo, ficou sozinha com quatro filhos pequenos para criar. Quatro meninos e uma menina ainda de colo. Sem nenhum acesso a ajuda financeira por parte do governo, ela se viu na nescessidade de criar meios de sustentar sua familia.
Comprou um livro que ensinava a costurar cortinas. E sozinha aprendeu e mestrou a arte de tecer belas e sofisticadas cortinas, que mais tarde serveriam de adereco nas casas dos ricos da pequena Santa Cruz.
Lembro ainda, que ela costurava a vinte anos atras. Com seus belos e tao joviais 80 anos. Poucas pessoas possuem essa arte. A arte de amar a vida, assim desse jeito tao inocente e vital. Poucas pessoas vivem 100 anos, raras viveram com tanta dignidade, altruismo e alegria.
Lembro que ia ao Paraguai para comprar presentes de Natal para toda a familia ja em seus oitenta e poucos anos. Lembro que ela nunca mais cortou o cabelo apos a morte do marido, e nunca se interessou por nenhum outro homem. Sei que viajou sozinha pelo Brasil quando os filhos cresceram. Sei que a custas de sacrificios e trabalho duro ela construiu uma casinha para cada filho, na rua Joaquim Murtinho. A casa que me viu nascer. Sei que em 1916, aos sete anos de idade, havia sido convidada a participar dos Jogos Olimpicos em Berlin, na categoria de ginastica olimpica, mas acabou nao indo. Devido a primeira Guerra Mundial, as olimpiadas em Berlin foram canceladas naquele ano. Aos 85 anos, sua casa pegou fogo, enquanto estava passando ferias na casa da sua filha em Florianopolis, nessa ocasiao ela perdeu praticamente todos os seus pertences pessoais, memorias, fotografias e cartas. Sofreu a morte de tres filhos, dois ja adultos e um ainda bebe. Sei que ela superou cada perda, com a mesma serenidade e perseveranca de sempre.
Minha avo foi um exemplo para tanta gente e em tantos aspectos, que quando relembro sua caminhada, minha alma da risada e chora ao mesmo tempo. Choro da saudade que nunca vai passar e pela perda tao memoravel para os que a conheciam e tambem para qualquer Santa Cruzense. Pois ela representa um pedaco da nossa historia. Uma fonte viva dos antepassados alemaes que formaram o que somos hoje. Dou risada, porque tenho orgulho de ter sido formada da mesma materia e por carregar seu sobrenome
Por todos os fatos que conheco e principalmente pelos que desconheco meu peito se enche de uma nostalgia inexplicavel.
Sempre tive o sonho de escrever sua biografia. Lhe dizia ao pe de seu ouvido na antiga cadeira de balanco que um dia escreveria sua historia, ela me olhava e dava risada. De certo nao me acreditava. Mas entao me mudei para a Inglaterra onde moro ja a 7 anos, e nao tive o tempo que precisava para vasculhar seus segredinhos e os fatos relevantes para se formar uma boa biografia.
O que posso, e guardar em mim, os fragmentos que me lembro. O que cabe a mim, e manter vivo os rastros historicos, dessa terra que e minha tambem. O que faco agora e olhar pra traz, nesse trajeto de tempo, e com olhos lacrimejados, agradeco a oportunidade de ter tido minha avo, e ter visto ela vencer tantos desafios sempre com um sorriso no rosto, por ela ter sido um marco tao importante para a geracao do meu pai, para a minha, e para a que me suceder.
Cabe a mim, a meus familiares, e aos que tiveram o prazer de conhece-la, nosso respeito mutuo por essa data. 100 anos nao se fazem todos os dias. Na Inglaterra, a honra de tomar cha com a Rainha lhe seria atribuida. Quando lhe contava isso, ela tambem ria.
Hoje levanto meus olhos e coracao em saudacoes. Um brinde, a Irma Maria Frantz, uma heroina, que ultrapassou um seculo vencendo dificuldades e tocando a alma de quem a conhecia com sua docura tao serena e sua perseveranca tao indiscreta.
Ana Frantz
1 comment:
História linda!!!
Carinho,
Tina
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