Aos 21 anos de idade quis sair de casa. Bati pe. Insisti com meus pais que precisava sair de casa. Morar fora, morar longe, em outro pais talvez. Queria adquirir experiencia, sofrimento quem sabe, alguma coisa concreta e ao mesmo tempo perecivel, que me garantiria o direito de contar historias.
Minha mae muito seria, me olhou rente a alma e com a profundidade da qual foi feita me disse com a voz quase amarga; -Sofrimento nao serve pra nada, nao ensina ninguem, o que faz e deixar cicatrizes e magoas.
E eu em minha petulante meninice, achei que ela estava era falando bobagem e que por certo nao sabia o que dizia. Eu queria tudo que o mundo pudesse me dar ate o sofrimento e a pior cicatriz que pudesse deixar. Queria engolir o mundo. Meu sonho sempre foi contar historias, e eu queria vive-las.
Aos 21 anos de idade me soltei pelo mundo, carregando na bagagem um sonho infantil e um coracao maior do que eu poderia carregar. Tive o prazer de experimentar muitas coisas das quais eu apenas imaginava que existiam. Tive o desencanto de experimentar a dor, de formas que nao pensei que pudessem ser possiveis. Tive a sorte, de ter sobrevivido a todos os perigos em que me meti, e o extase de ter realizado um sonho.
Hoje quando olho pra tras, dou risada sozinha. Quase tudo o que vive, de um jeito ou de outro, manifestei. Ate a dose extrema da solidao mais concreta em que minha alma pisou.
As vezes esquecemos que o sonho vem com o pacote inteiro. Sem a dor nas pernas e impossivel chegar ao extase de estar no topo da montanha. E o extase, nao e sempre mais intenso, assim? Em meio a respiracao ofegante e aquele sentimento que por vezes nos disse para desistir. Mas tambem e sempre importante saber onde parar. A alma sempre sabe, quando e manha ou nescessidade.
Hoje paro e sento em frente a esse mosaico construido entre afetos, erros, sucessos, perdas e ganhos. Rebusco nas entrelinhas dessa historia comprida, dialogos que pudessem justificar os enredos e a materia da qual me tornei. E tudo faz sentido, tudo sempre fez sentido! E nao poderia ter sido diferente, a pedra que me fez cair, a mao que me ajudou a levantar, os afetos que se expandiram dentro de mim sem controle algum, o constante convivio com a saudade do mundo infantil que deixei pra tras. Ter que enfrentar essa floresta encantada e cheia de perigos que e o mundo, sem o colo de pai e mae. Foi escolha.
Vez que outra ainda sento e choro. Talvez nao merecesse perder tanto, conviver com tanta escassez de afeto, amanhecer com o peito esmagado de uma saudade que nao vira poesia. E dor. A dor pelo tempo nao vivido ao lado da familia, nosso unico bem permanente.
Hoje tambem entendo o que minha mae dizia sobre o sofrimento, melhor mesmo e nao sofrermos nunca. Bom mesmo e permanecermos sensiveis e vulneraveis ate o fim do caminho. Mas a vida fortifica quem escolheu suas trilhas mais ousadas e nas noites muito escuras, vez que outra alguma coisa por dentro se petrifica. Vez que outra sinto saudades daquela menina, que quis voar tao cedo, mas sei que ela ainda esta dentro de mim, e sai para dancar de vez em quando, quando as noites nao estao tao escuras.
Ana Frantz
2 comments:
Ana, concretudes tão delicadas para as sutilezas...
"Bom mesmo e permanecermos sensiveis e vulneraveis ate o fim do caminho."
obrigada, sempre.
Beijos afetuosos,
Clarissa
tuti, se eu fosse tão talentosa com as palavras quanto tu és, essas palavras poderiam ter sido digitadas pelas minhas mãos, como se fosse a minha própria vida.
Post a Comment