
Agora entendo teus silencios. A calma com que segurava o pao no cafe da manha. Teu jeito manso de sentar no jardim para esperar as flores crescerem. Entendo teus sonhos ousados, outros pequenos. Entendo tuas tardes monotonas cheias de silencio e preguica, a nesga de sol perfurando a janela, enquanto preguicoso me deixava alisar teu corpo.
Entendo tua vontade em me ver ir embora. Entendo tua dor de cabeca ao me ver partir. Teu transtorno ao me ver gritar, cega e perdida por ti. Nao, assim desse jeito, tu nao voltarias. Talvez tivesses te aconchegado em meu colo se ao inves de gritar, eu tivesse te sussurrado baixinho, se tivesse entendido o que as tardes de silencio significaram pra mim e pra ti.
O tempo passou agora. Duas primaveras. E na segunda vez que vi as flores se abrirem ao sol, eu entendi o significado da calma. Eu entendi tua clareza.
Ah, mas eu? Sempre tive minhas sedes, minhas loucuras, meus devaneios, os meus anseios! A liberdade que me vinha cheia de cores, sons, aromas, me deixava zonza. Segui correndo atras dos arco-iris, atras de qualquer som que eu ouvia. E quanto mais eu corria, mais cansada e mais machucada eu me via. Nao podia tocar os fogos de artificio nem levar nenhum arco-iris pra casa, e nessa ilusao de cartonista fui tentando pintar meu camarim.
Mas la longe, o palhaco cansado, no esboco um sorriso esmagado. A vida exige calma, a pressa e o avesso de tudo. E eu que fui sempre tao impulsiva, tambem nao soube esperar.
Em minhas andancas eu me expandi e entre o crescimento e a luta, eu encontrei a calma. E mais serena eu prossegui. Nos meus proprios silencios compreendi os teus. Na minha tranquilidade eu entendi a tua. E pude assim compreender teu jeito tao contente, tua falta de sede, tua serena mirada diante a vida.
A historia dos dias foi seguindo seu ritmo e mesmo com todas minhas tentativas eu nunca encontrei o caminho de volta pra casa. Nao guardo magoas; minhas perdas sao minhas e de mais ninguem. Nao guardo remorsos; sempre dei tudo o que eu tinha. O que guardo e o amor. Um amor que a medida que o tempo passa, ele se eleva, e a medida que esse amor se eleva, maior e minha compreensao de que esse amor nao me pertence, apenas flutua livre em minha alma. Como a energia cosmica da transmutacao. Eu te reconheco pelo espelho do tempo e vejo tua essencia se expandindo em luz. Na luz do tempo que eu precisei para enfim te enchergar assim, completo e nu.
Te olho entre as distancias de nos dois, e sorrio com a serenidade de quem descobriu um segredo, era tao simples o que me pedias, e eu em meio ao furacao, eu nao te ouvia. Nao faz mal entao, se agora ja e tarde para te oferecer o que antes eu nao possuia, o que vale e o que um dia dividimos.
E assim eu te solto livre como um balao no ceu. E assim eu me solto, da culpa em nao ter sabido te amar. Ja nao te espero chegar e ja nao me antecipo a travar mapas que me levem de volta a ti. Deixemos livre entao o eco do que fomos. E sempre bom amar assim.
Ana Frantz